Juca Marmita
Juaquim Augusto Dos Santos com u não com o, talvez por erro do cartório
talvez por ignorância dos pais; nome de nascimento bonito poético pomposo digno
de celebridades e da nobreza no entanto na prática somente Juca, Juca Marmita.
Mais mulato do que negro feio estrábico olhos tortos mas de uma tonalidade rara
linda de um verde das ondas do mar. Relativamente jovem trinta e poucos anos
pensionista do INSS a mão esquerda inútil sem movimento acidente de trabalho, o
sono a prensa a dor, hora extra de valor minguado, que ironia em plena folia de
um domingo de carnaval.
Pela fatalidade indenização de algumas centenas de Real e proventos de
um salário mínimo; ocupação atual engraxate de rua cômico e trágico; um
engraxate maneta. Facetas do mundo cão ora comédia ora tragédia.
A família um grande peso, mãe entrevada setenta anos pai semi-louco
bastante mais velho além dos oitenta, sem mulher sem filhos sem outros
parentes; o arrimo deles e sempre discriminado como a maioria dos negros.
Só no alto do prédio em construção a um passo do nada. Lá embaixo os
carros iguais de brinquedo e as pessoas pequeninas formigas todos num
incessante pra lá e pra cá. Acima o céu nevoento nebuloso tenebroso mesclado de
nuvens cinzentas enormes e assustadoras prenúncio de chuva forte violenta
destruidora algoz de barracos frágeis como o dele; um amontoado de tábuas,
ripas, papelão, plástico, zinco enfim de velhas sucatas todas dádivas do lixo.
Um barraco ainda de pé só por milagre...milagre doce palavra louca quimera um
dom de Deus, um Deus tão ausente distante e impalpável como o vazio na sua
frente um Deus talvez de outros mas nunca dele.
Ficção ou realidade? E daí, dúvida sem sentido agora desnecessária. Um
dos pés já sem apoio, dentro em pouco o final de tudo.
Nesse momento ao longe o clarão de um raio e o contorno da cruz da
velha igreja, um lampejo de fé de consciência contra o ato insano, pobres dos
velhos pais sozinhos doentes... um novo sentimento um novo pensamento fora
desânimo fora descrença e outras coisas ruins; amanhã novo sol novo dia, um afã
de coragem de esperança.
Talvez o destino talvez o acaso, sobra de azar falta de sorte ou um
pouco de tudo isso no golpe de morte. Repentinamente um vento traiçoeiro o
corpo em queda livre o grito de aflição o chão cada vez mais perto enfim o
estrondo do baque. Pela calçada pedaços de ossos e carne pela rua no negro
asfalto a mancha vermelha como em cachoeira de sangue e chuva pelas frestas do
bueiro.
Pedaços mil pedaços do Juca Marmita o começo ou o fim dos castigos
talvez pelos erros seus; agora nos braços ou não de Deus.//
Música 759, R.Bozza / R.F.Bozza.